“Os Sagrados Altares Tupiniquins” é o enredo da Santa Cruz para 2025

Em evento realizado em sua quadra, a Acadêmicos de Santa Cruz recebeu seus segmentos e a comunidade visando anunciar o enredo do Carnaval 2025. O tema foi recebido por todos com grande entusiasmo, mostrando que a agremiação tem todas as credenciais para realizar um grande desfile no ano que vem. A verde e branco da Zona Oeste levará para a Avenida “Os Sagrados Altares Tupiniquins”, de autoria e desenvolvimento do carnavalesco Cid Carvalho.

“Este enredo é o fechamento de uma trilogia que iniciei em 2023, que começou com a degradação do território Yanomami, passando pelo último carnaval abordando o machismo como mal histórico, através do enredo sobre as bruxas, e agora com os altares Tupiniquins, que vai falar de três principais aspectos: Da fé católica e as crenças dos povos originários e negros escravizados, mostrando como elas se misturaram resultando em diversas manifestações culturais, nos levando a conscientização de que é fundamental respeitarmos a fé de cada um, independente dos dogmas impostos pelas religiões”, disse o carnavalesco.

Neste domingo (9), a partir das 14h, será realizada a primeira feijoada da temporada, com a apresentação da nova equipe de Carnaval e participações das coirmãs Unidos de Bangu e da atual campeã da Serie Ouro, Unidos de Padre Miguel. A entrada custará R$ 2,00 ou 1kg de alimento não perecível. O prato de feijoada será vendido a R$ 15,00 e aluguel de mesas, com feijoada inclusa sai a R$ 60,00. A quadra de ensaios fica na Rua do Império 573 – Santa Cruz.

Confira a Sinopse:

G.R.E.S Acadêmicos de Santa Cruz – Carnaval 2025

Enredo: “Os Sagrados Altares Tupiniquins”

Benditos sejam os ventos do progresso que dispersaram as nuvens da ignorância e fizeram resplandecer a luz do Renascimento sobre as trevas medievais, revelando a nova era do conhecimento, da valorização da ciência e da razão que, como uma poderosa onda, banhou o “Velho Continente”, embebendo-o da necessidade de navegar e desvendar os mistérios para além do “Mar Tenebroso”.

Então, abençoados por Nossa Senhora da Esperança, destemidos navegadores se aventuraram nas águas do Oceano Atlântico, que a desgastada imaginação medieval ainda acreditava serem habitadas por misteriosos seres marinhos.

Depois de 44 dias enfrentando os próprios medos, tormentas, calmarias e doenças, desembarcaram no “Novo Mundo” intocado e fascinante. Naquele cenário edênico, ergueram a cruz, montaram o altar e, diante do espanto dos navios, rezaram ali a primeira missa em nome do Deus cristão e do Reino de Portugal. Para aquela gente de pele avermelhada, aquele ritual estranho não fazia o menor sentido, porque eles acreditavam em Tupã, o Deus dos trovões; o seu altar era a própria natureza.

Eram aos rios, aos espíritos dos animais, ao poder curativo das plantas e à energia do sol, da lua e das estrelas, que os Pajés Anciões recorriam em seus rituais para conter doenças, para clamar por boas colheitas e fartura na caça, para vencer inimigos nas guerras e para celebrar os antepassados.

E os nativos, desnudos, livres e felizes, cantavam e dançavam para os seus deuses, despertando o velho imaginário europeu que, alimentado pela crença na existência de um Paraíso Terrestre e de um Inferno, se manifestou entre o encantado e o assustado.

Na carta de batismo das terras “descobertas”, Caminha, o escrivão da frota de Cabral, envolve os povos originários numa atmosfera de candura e ingenuidade, comparando-os a Adão e Eva, e as paragens, aos Jardins do Éden; já as crônicas escritas posteriormente, qualificariam os indígenas, como luxuriosos e pecadores, criaturas sem leis, sem alma e sem rei; polígamos, com suas “vergonhas à mostra”, portanto “selvagens” ao ponto de representar quase a não-humanidade.

Diante dessa visão religiosa equivocada e preconceituosa, para os católicos portugueses não havia pecado em escravizar os indígenas em nome do lucro a qualquer custo. Porém, os “gentios”, que viviam em total liberdade, fugiam do trabalho forçado se embrenhando nas matas e, protegidos pelos deuses da natureza, jamais retornavam ao cativeiro.

Então, a crescente necessidade de mão de obra para as fazendas de cana-de-açúcar, fez a ganância colonial lusitana virar-se, então, para o continente africano.

Arrancados à força da terra natal, transformados em prisioneiros e jogados nos tumbeiros, os africanos atravessaram a Calunga Grande em viagens longas e desumanas onde muitos não resistiam e tinham os corpos jogados no oceano.

Ao chegarem aqui, os sobreviventes escravizados de distintas regiões da África traziam consigo diversas crenças que se entrelaçaram no terreiro colonial, modificando totalmente o cenário religioso com as suas divindades. Não raro, os representantes da Igreja Católica tentavam reprimir aqueles rituais que aconteciam nas senzalas, com seus batuques, cantos danças e rezas, diante dos “assentamentos” e altares improvisados.

É bem verdade que no caso da escravidão, a terra, assim como o mar, também tragou os corpos de milhares de cativos. Mas, Calunga Grande é o mar de Iemanjá, é a mãe que acolhe, é a enormidade de seu destino e de seu horizonte; Calunga Pequena é a terra de Omolu, o guardião da vida e da morte, e onde os corpos voltam a ser sementes.

Assim, mesmo diante de severa perseguição, as crenças dos negros escravizados e dos povos originários, encontram meios para sobreviver à imposição da fé cristã pelos colonizadores. E, mais ainda, se misturaram, tecendo uma religião sincretizada, com alma brasileira.

Mas, quem já passou pelas encruzilhadas sabe escolher os caminhos!

Com o tempo, essa mistura de crenças passou a fazer das ruas, os seus altares mais originais, manifestando-se nas tradições populares, no folclore, nas festas dos santos padroeiros, numa simbiose entre o sagrado e o profano, revelando através da festa do Divino Espírito Santo, do Reisado, da Cavalhada, dos Maracatus e dos Caboclinhos, essa extraordinária riqueza cultural.

E é em nome dessa riqueza, símbolo da miscigenação do povo desse país, que rogo aos deuses que abençoem a nossa agremiação para que a sua bandeira continue tremulando em nome de todos os perseguidos de ontem e de hoje, consagrando-a como guardiã desse imenso santuário tupiniquim.

Que a sua coroa, símbolo da sua história, resplandeça junto à coroa de Mãe Senhora de Aparecida e, juntamente com o poder das Yabás e os mistérios da Mãe D’água, nos guiem como matriarcas que são, porque toda mãe carrega o eterno; e façam de cada um de nós, filhos bem-aventurados e mensageiros da liberdade de credo.

É chegado o momento de colocarmos o que foi quebrado pela intolerância e pelo racismo religioso; de unirmos os retalhos, os pedaços sagrados de fé e esperança, e então entoarmos o nosso samba como um hino de paz, composto com a força dos versos sonoros de uma “Carta de Amor”.

Porque nós não andamos sós!
Eu, eu não ando só!

… “Eu tenho Zumbi, Besouro
O chefe dos Tupis, sou Tupinambá
Tenho os erês, caboclo boiadeiro, mãos de cura
Morubixabas, cocares, flechas e altares
A velocidade da luz, o escuro da mata escura
O breu, o silêncio, a espera
Eu tenho Jesus, Maria e José
Todos os pajés em minha companhia
O menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos
O poeta me contou”…

O poeta me contou que foi esse mesmo menino Deus, que brincando e dormindo nos meus sonhos, me levou aos pés da Santa Cruz e me fez acreditar que é possível.

Cid Carvalho
Carnavalesco

** Este texto não necessariamente reflete, a opinião do FoliaDoSamba